A verde: Marina Silva

Marina diz que acusações de Aldo contra seu marido são levianasNo posfácio da coletânea, Humberto Werneck traça em seis páginas as características de cada perfil. No entanto, ao contar sobre o de Marina Silva, dedica apenas uma frase (o menor dos comentários): “Peregrinando ao lado de Marina Silva, a repórter, entre outros achados, pôde constatar que nenhum vídeo faz justiça à figura física da senadora e presidenciável acriana.” (p 296)

Daniela Pinheiro é tal reporter (na piauí desde 2007) do perfil de Marina Silva. E a caracterização de Werneck é no mínimo, incompleta ao não dar o mais valor a este perfil como componente do livro, até porque praticamente copia uma oração do texto de Daniela: “Se em entrevistas ela parece prolixa, e se retrai diante das câmeras de televisão, ao vivo ela é imbatível” (p 285). Esta é uma percepção notada pelo perfil – que não precisaria nem ser enunciada –  e há abaixo da supefície algo de mais interessante.

Primeiramente, são notáveis três elementos, dentro deste gênero, que é o do perfil jornalístico:

i) A autora estudou bem e selecionou o que era de relevante na trajetória pessoal e política de Marina para construir sua narrativa. Além de traços descritivos, percebe-se que há necessidade de estabelecer oposição da Marina do PT, com a Marina do momento do texto, que é recente de sua desfiliação. Um exemplo notável é o atentamento nos atritos que teve com o PT durante seus anos de Ministra, legitimando o passo seguinte da protagonista da narrativa.

ii) Observou-se e ouviu, mais do que se perguntou. Apesar de algumas perguntas feitas pela repórter terem causado desconforto, o discurso é indireto e adjetivado pela própria autora (trechos destacados deixarão mais claro este elemento).

e o 3º mais relacionado ao “estar aqui” do que do “estar ali”:

iii) A construção é cronológica, porém alternada com relatos (aparentemente também cronológicos, mas no tempo presente do texto) que a autora presenciou, sendo esses, mais fortemente opinativos.

Essas são (ao menos os elementos “i)” e o “ii)”), no entanto, todas especulações de como o texto foi produzido. O que a repórter sugere de fato é que teve a oportunidade de conviver com Marina por alguns dias, vivenciando dos bastidores suas palestras, entrevistas, jantares e almoços, encontros e caronas. E pode-se apontar objetivamente que a abordagem da maioria dos assuntos é levando em conta a opinião de Marina, e não de amigos, companheiros e/ou conhecidos (que também são entrevistados).

O que sentimos é que Daniela cria uma narradora-personagem, pois além de descrever as situações e personagens, como Marina e alguns outros companheiros da ex-ministra, ela também dá a voz à Marina para falar de suas próprias experiências e relações. O conhecimento das opiniões de Marina parece condicionar a repórter a criar um laço com sua entrevistada. Além disso, em diversas passagens Daniela relata momentos que dignificam fortemente Marina:

Quando fala de improviso, com ou sem microfone, mesclando histórias próprias com exemplos cotidianos, ela comove os assistentes. As citações parecem combinar com o contexto, seu tom de voz ganha um crescendo que envolve os ouvintes e sua figura frágil adquire firmeza.” (p 285)

“Ao final, o auditório explodiu em aplausos e gritos. Uma das professoras abraçou Marina: “Obrigada por você existir!” Houve quem chorasse. “Meu Deus, estou toda arrepiada. Valeu demais! Ela é muito inspiradora”, comentava uma jovem com a amiga.” (p 285)

Seu traço estilistico também fica muito evidente no perfil de imediato. Temos a impressão de estarmos começando a ler um romance. Um romance cuja personagem principal é Marina. As três primeiras paginas são preenchidas com minuciosas descrições fisicas, de seus hábitos, de sua personalidade e de sua ideologia, o que faz com que nos sintamos como personagens do romance que está prestes a se desenrolar. O uso constante de passagens e descrmarina silva 2ições que funcionam como ferramentas para a consolidação do efeito de real nos dá essa impressão:

Com uma elegância natural, quase sempre usa vestidos longos, arrematados por um xale. Tem quase cinquenta deles. O cabelo anelado é amarrado em um coque, circundado por uma fina trança. No dedo anular esquerdo, usa uma aliança dourada, com a inscrição “Jesus”, e carrega uma bolsa preta quadrada, na qual não há espaço para quase nada além de uma grande Bíblia de capa de couro preta, toda grifada a lápis.” (página 269/270)

Duas horas e meia depois, quando o projeto foi aprovado, voltou para sua sala para almoçar. Na marmita, preparada em casa, havia frango cozido, arroz, feijão, rúcula, tomate e farinha. Ela comia devagar, em garfadas mínimas, arrematadas com goles de água em temperatura ambiente.” (página 276)

E mesmo nos – poucos – momentos que a autora cita falas de outros personagens da história, estas falas são amenas, nunca atacam Marina Silva.

“Esse negócio de religião vai ser o calcanhar de Aquiles da Marina’, comentou Zica. ‘Eu já falei que ela tem que tomar uma posição científica, não pode falar esse absurdo de criacionismo’, completou ele, referindo-se à interpretação literal da Bíblia. “ (página 286)

Neste sentido, o perfil de Dilma Rousseff escrito por Daniela Pinheiro em 2014 – meses antes da eleição à presidência –, difere muito do perfil aqui analisado. A base desta diferença é que no perfil de Dilma, a repórter não teve a oportunidade de encontrar-se com a presidenta. Dessa maneira, o perfil foi construido através de diversas entrevistas e comentários de terceiros. Diferentemente do perfil de Marina, Daniela não teve acesso às opiniões pessoais de Dilma. Este distanciamento acabou criando um perfil mais diversificado, no sentido de opinões sobre os posicionamentos das duas figuras públicas.

No de Dilma encontra-se um maior equilibrio entre os depoimentos de oposição e apoio. Já no de Marina, Daniela parece estar descrevendo a “heroína de seu romance” evidenciando um discurso provido de individualidade, mesmo sendo parte de um gênero essencialmente descritivo e pós-moderno. Não significa aqui que vemos um Autor nos termos de Barthes, mas apenas que com um pequeno estudo de obras do mesmo gênero pela mesma Daniela, esta se destaca pela caracterização menos distanciada do que o esperado.

Por Daniel Tubone Simoes e Tiago Aguiar Oliveira

Deixe um comentário